Como usar o Habeas corpus para o trancamento do inquérito policial
Hoje quero falar com você sobre o baluarte de nossas liberdades, qual seja, o habeas corpus, atendendo a muitos pedidos que recebi dos leitores do blog e meus alunos e alunas. Este é um tema de extrema relevância para a sua prática penal.
Eu sou a Cris Dupret, advogada criminalista e mentora de centenas de advogados e advogadas que desejam se especializar na Advocacia Criminal e buscam uma preparação teórica e prática adequada para a sua atuação na área penal.
O Curso de Prática na Advocacia Criminal te ensina desde os aspectos mais básicos como o atendimento ao cliente, até as atuações mais complexas como a sustentação oral. E ele está com uma condição imperdível! Para ter acesso vitalício ao curso CLIQUE AQUI e ao fazer sua matrícula, escolha o acesso vitalício – ao invés de 1 ano de acesso, você poderá acessar enquanto o curso existir!
O habeas corpus
Inicialmente, não custa lembrar que o habeas corpus é uma ação autônoma de impugnação, e não um recurso. Embora inserido entre os recursos no atual Código de Processo Penal, é um remédio constitucional que visa tutelar a liberdade, ou seja, o habeas corpus tutela o direito ambulatorial, que é o direito de ir, vir ou permanecer.
Portanto, se houver violação ou ameaça a direito líquido e certo que não envolva a liberdade de locomoção, a via adequada para a impugnação do ato será, provavelmente, o mandado de segurança, já que incabível o habeas corpus nesses casos.
O remédio constitucional do habeas corpus pode, então, ser utilizado em caráter liberatório ou preventivo. Liberatório quando visa restituir a liberdade indevidamente cerceada de alguém. Preventivo quando tem por objetivo garantir a manutenção da liberdade, que se encontra indevidamente ameaçada.
Desta forma, cabível o habeas corpus contra uma prisão indevida, pelos mais diversos motivos, contra um inquérito policial ou uma ação penal, instaurados sem que haja justa causa, para ver declaradas nulidades em um processo criminal, ou ainda para ver declarada a extinção da punibilidade.
Entretanto, se não houver risco à liberdade de locomoção, não será possível a utilização desta ação de impugnação. Por este motivo, não é possível impetrar habeas corpus em favor de pessoa jurídica, da mesma forma que nos casos que envolvam apenas pena de multa ou ainda quando já estiver extinta a pena privativa de liberdade.
Ademais, o habeas corpus é um processo de cognição sumária, geralmente de competência originária dos tribunais, e depende de prova pré-constituída, e possui previsão de duplo grau de jurisdição.
Sobre a competência do habeas corpus e outros aspectos importantes sobre esse remédio constitucional podemos abordar em outro artigo específico sobre isso, pois é um tema extenso e, na verdade, preciso adentrar ao tema proposto para hoje.
No Curso de Prática na Advocacia Criminal nós temos um módulo inteiro somente abordando o tema Habeas Corpus e todos os seus aspectos importantes para a sua prática penal.
Em suma, o habeas corpus pode ser acionado sempre que alguém sofrer ou se sentir ameaçado de sofrer violência, ou coação em sua liberdade de locomoção, por ilegalidade ou abuso de poder. É o que diz o inciso LXVIII do artigo 5º da Constituição. Em outras palavras, o habeas corpus é, principalmente, uma forma de prevenir ou anular a prisão arbitrária, feita por motivos outros que não o estrito cumprimento da lei.
O Código de Processo Penal, entre os artigos 647 e o 667, estabelece praticamente tudo o que diz respeito a este remédio constitucional. Vale a pena fazer a leitura.
Habeas corpus e o trancamento do inquérito policial
Antes de mais nada, é preciso lembrar que o trancamento de inquérito policial possui caráter excepcional, somente admitido nas hipóteses em que se constate na ausência de justa causa, a inexistência de indícios da autoria e da materialidade do delito ou, ainda, a presença de alguma causa excludente de punibilidade.
Nesse sentido, a jurisprudência dos Tribunais Superiores há muito já se firmou no sentido de que o trancamento do inquérito policial, por meio do habeas corpus, conquanto possível, é medida excepcional.
Portanto, qualquer situação em que se demandar um mínimo de exame valorativo do conjunto fático ou probatório pelo julgador, não será passível de trancamento visto que o habeas corpus é remédio inadequado para a análise da prova.
Fato é que, para que seja possível a propositura da ação penal, devem estar presentes determinadas condições, tais como, a legitimidade de partes, possibilidade jurídica do pedido, interesse de agir e justa causa. Entende-se por justa causa, a materialidade do crime e os indícios de autoria.
A ausência de justa causa constitui constrangimento ilegal, o que permite a impetração do habeas corpus, nos termos dos artigos 647 e 648 do Código de Processo Penal, a fim de que o inquérito policial seja trancado.
Corroborando com este entendimento, a Sexta Turma do Superior Tribunal de Justiça (STJ) já decidiu que o trancamento do inquérito policial por meio do habeas corpus é medida excepcional, somente passível de adoção quando houver inequívoca comprovação da atipicidade da conduta, da incidência de causa de extinção da punibilidade ou da ausência de indícios de autoria ou de prova sobre a materialidade.
A decisão (AgRg no HC 587.198/SP) teve como relator o ministro Nefi Cordeiro:
Ementa
AGRAVO REGIMENTAL NO HABEAS CORPUS. CRIME CONTRA HONRA. TRANCAMENTO DE INQUÉRITO POLICIAL. INCABÍVEL. IMUNIDADE DO ART. 133 DA CONSTITUIÇÃO FEDERAL. NÃO ABSOLUTA. DECADÊNCIA DO DIREITO DE REPRESENTAÇÃO. SUPRESSÃO DE INSTÂNCIA. RECURSO IMPROVIDO. 1. O trancamento do inquérito policial por meio do habeas corpus é medida excepcional, somente passível de adoção quando houver inequívoca comprovação da atipicidade da conduta, da incidência de causa de extinção da punibilidade ou da ausência de indícios de autoria ou de prova sobre a materialidade. 2. Não se vislumbra constrangimento ilegal quando há indícios, ainda que mínimos, de autoria e materialidade da prática de crime contra a honra do Desembargador Relator, tendo em vista a expressão utilizada pelo advogado nos autos do agravo interno, revelando-se prematuro o trancamento do inquérito policial por ausência de justa causa. 3. Segundo a orientação desta Corte, não é absoluto o direito à inviolabilidade profissional do advogado assegurada pelo art. 133 da Constituição Federal, estando as manifestações no âmbito do exercício profissional adstritas aos limites legais. Precedentes. 4. As alegações relativas à decadência do direito de representação, bem como à incidência da excludente de ilicitude prevista no art. 142, I, do Código Penal, não foram debatidas pelo Tribunal de origem, não podendo ser conhecidas por esta Corte Superior, sob pena de indevida supressão de instância. 5. Agravo regimental improvido. (AgRg no HC 587.198/SP, Rel. Ministro NEFI CORDEIRO, SEXTA TURMA, julgado em 08/09/2020, DJe 14/09/2020)
Contudo, também há um entendimento do STJ diz respeito ao fato de que somente caberia habeas corpus para trancar o inquérito policial quando houvesse um constrangimento ilegal, que no inquérito seria o indiciamento. Ou seja, não caberia habeas corpus para trancar o inquérito policial enquanto o investigado não fosse indiciado (AgRg no RHC 38.509/DF, Rel. Ministro ROGERIO SCHIETTI CRUZ, SEXTA TURMA, julgado em 14/02/2017, DJe 23/02/2017).
Mas, esse entendimento acaba por desconsiderar que a simples condição de investigado já traz grande prejuízo psicológico, assim como um grave risco à liberdade do investigado, já que, a qualquer momento, a prisão preventiva ou temporária poderá ser decretada.
Na prática da Advocacia Criminal, é aconselhável não aguardar o encerramento do inquérito para tentar trancar um procedimento investigatório, caso estejam presentes as hipóteses do cabimento do habeas corpus neste caso.
Além do mais, o próprio Ministério Público pode denunciar o investigado, independentemente do indiciamento, uma vez que, não está o membro do Ministério Público adstrito às investigações da Polícia Judiciária, podendo colher provas em seu gabinete ou fora deste, para respaldar a instauração da ação penal.
Na verdade, como dito acima, o fato do seu cliente ser ou não indiciado, não é primordial para a formação da “opinio delicti” do Ministério Público, ou seja, a mera instauração do inquérito policial já é um constrangimento ilegal contra o investigado.
Bom, espero ter contribuído com você que precisava de orientações sobre esse tema. Não pretendia esgotar o assunto, mas apenas trazer algumas considerações importantes que podem te ajudar nessa busca.
Comente abaixo caso tenha curtido esse conteúdo ou caso tenha surgido alguma dúvida.
Comments