As principais discussões sobre a abolitio criminis no STJ
Tão humano quanto o crime é o sentimento de justiça que clama por punição. Em artigo intitulado Liberdade, igualdade e fraternidade: alguns reflexos do lema da Revolução Francesa no Processo Penal, o ministro Rogerio Schietti Cruz registra a lição do penalista italiano Francesco Carrara segundo a qual punir é o “destino da humanidade”.
No entanto, as transformações culturais no decurso do tempo conduzem a mudanças em relação às condutas que a sociedade considera merecedoras de punição.
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A legislação penal brasileira prevê expressamente a hipótese de uma conduta deixar de ser enquadrada como crime devido à edição de norma revogadora superveniente. De acordo com o caput do artigo 2º do Código Penal (CP), ninguém pode ser punido por fato que lei posterior deixa de tipificar como crime. Nesse caso, deve haver a cessação da execução e dos efeitos de eventual sentença condenatória.
Entre os exemplos mais mencionados de delitos alcançados pela chamada abolitio criminis no Brasil estão o adultério e a sedução de mulher virgem entre 14 e 18 anos de idade – ambos os tipos penais foram revogados pela Lei 11.106/2005. Ao longo de sua história, o Superior Tribunal de Justiça (STJ) vem sendo provocado, em várias ocasiões, a se manifestar sobre a aplicação do instituto da abolitio criminis.
Esta reportagem especial apresenta as principais decisões do STJ em matéria de abolitio criminis, compiladas pela corte nas publicações Jurisprudência em Teses e Pesquisa Pronta.
Crime de posse ilegal de arma de fogo
No âmbito da revogação de norma penal, o questionamento mais comumente feito ao Tribunal da Cidadania diz respeito ao termo final da abolitio criminis temporária instituída pelo Estatuto do Desarmamento (Lei 10.826/2003) para que os possuidores e proprietários de armas de fogo em situação irregular providenciassem o seu registro.
A Súmula 513 consolidou na corte superior o entendimento de que, mesmo após a alteração promovida no Estatuto do Desarmamento por meio da Lei 11.706/2008, permanece válida até 23 de outubro de 2005 a suspensão da vigência da norma incriminadora da conduta de possuir arma de fogo de uso permitido com numeração, marca ou qualquer outro sinal de identificação raspado, suprimido ou adulterado – edição 102 de Jurisprudência em Teses.
Um dos precedentes que deu origem à súmula foi o recurso especial (REsp 1.311.408) de um homem condenado pelo Tribunal de Justiça do Rio Grande do Norte (TJRN) por deter irregularmente, até 2006, uma pistola com o número raspado.
A controvérsia foi julgada sob o rito dos repetitivos (Tema 596). Por unanimidade, a Terceira Seção negou o pedido de absolvição do réu. O relator, ministro Sebastião Reis Júnior, concluiu que o novo prazo implementado pela Lei 11.706/2008 – e posteriormente prorrogado pela Lei 11.922/2009 – para a abolição temporária do crime de posse ilegal de arma de fogo é aplicável somente ao armamento de uso permitido cuja numeração se encontre preservada.
“O artigo 30 da Lei 10.826/2003, na nova redação, continuou a prever uma abolitio criminis para que se procedesse à regularização da arma, por meio do seu registro. Contudo, diferentemente da redação original, mencionou expressamente que a benesse dizia respeito ao proprietário ou possuidor de arma de fogo de uso permitido”, afirmou o relator do repetitivo.
Segundo Sebastião Reis Júnior, o lapso temporal da abolitio criminis para quem detém armamento de uso restrito, proibido ou com identificação numérica prejudicada encerrou-se em 23 de outubro de 2005, termo final da prorrogação dos prazos elencados na redação original dos artigos 30 e 32 do Estatuto do Desarmamento.
Sobre os efeitos da entrega espontânea de arma de fogo, o ministro entendeu que o artigo 32 da Lei 10.826/2003, a partir da redação atual, estabeleceu uma causa permanente de exclusão da punibilidade no tocante à posse irregular do armamento.
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Fonte: STJ
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