STF: exigência de representação no estelionato não retroage para alcançar ações penais já instauradas
O Ministro Edson Fachin, ao julgar o RHC: 206540 PR, reafirmou que, conforme entendimento pacífico da Suprema Corte quanto à retroatividade da Lei Penal 13.964/2019 às ações penais em curso, por tratar-se de norma mais benéfica, de caráter híbrido, o entendimento jurisprudencial não beneficia o ora recorrente, na medida em que como aduziu o parquet, a sua condenação do réu já transitou em julgado.
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Decisão:
Trata-se de recurso ordinário em habeas corpus interposto contra acórdão do STJ, assim ementado ( AgRg no HC 639.900/PR – eDOC 29):
AGRAVO REGIMENTAL. HABEAS CORPUS SUBSTITUTIVO DE RECURSO PRÓPRIO. CRIME CONTRA O PATRIMÔNIO. ESTELIONATO. LEI N. 13.964/2019. REPRESENTAÇÃO DA VÍTIMA. RETROATIVIDADE. IMPOSSIBILIDADE. ENTENDIMENTO DO STJ. DECISÃO MANTIDA. 1. É inadmissível habeas corpus em substituição ao recurso próprio, também à revisão criminal, impondo-se o não conhecimento da impetração, salvo se verificada flagrante ilegalidade no ato judicial impugnado apta a ensejar a concessão da ordem de ofício. 2. A Lei n. 13.964/2019, que conferiu à ação penal na hipótese de delito de estelionato (art. 171 do Código Penal) a natureza de ação penal pública condicionada à representação da vítima, cuja representação passou a ser exigida como condição de procedibilidade, não retroage para atingir as ações penais já instauradas (Terceira Seção do STJ, HC n. 610.201/SP). 3. Mantém-se integralmente a decisão agravada cujos fundamentos estão em conformidade com o entendimento do STJ sobre a matéria suscitada. Nas razões recursais, sustenta-se, em síntese, que a lei 13.964/2019 deve retroagir em favor do ora recorrente no caso em exame para que se declare extinta a sua punibilidade pela decadência em relação ao crime de estelionato, que passou a ser de ação penal pública condicionada à representação do ofendido, não oferecida no prazo legal, ou ao menos para se intimar o Ministério Público a fim de que ofereça acordo de não persecução penal ao acusado.
O pedido liminar foi indeferido em decisão monocrática prolatada em 16.09.2021 (eDOC.51). A PGR manifestou-se pelo desprovimento do recurso ordinário em habeas corpus em parecer assim ementado:
“PROCESSUAL PENAL. RECURSO ORDINÁRIO EM HABEAS CORPUS. CONDENAÇÃO TRANSITADA EM JULGADO. INDEVIDA SUBSTITUIÇÃO DE REVISÃO CRIMINAL. ESTELIONATO: AÇÃO PENAL PÚBLICA CONDICIONADA A REPRESENTAÇÃO, A PARTIR DA LEI 13.964/19 (PACOTE ANTI CRIME). NORMA MISTA. TEMPUS REGIT ACTUM. IRRETROATIVIDADE. ACORDO DE NÃO PERSECUÇÃO PENAL (ANPP): ART. 28-A DO CPP, INCLUÍDO PELA LEI 13.964/19. AINDA QUE SE CONSIDERE A NORMA COMO MISTA, IMPOSSIBILIDADE DO ACORDO NO ATUAL MOMENTO PROCESSUAL. PARECER PELO NÃO CONHECIMENTO E, CASO CONHECIDO, PELO DESPROVIMENTO DO RECURSO ORDINÁRIO” (eDOC.54).
É o relatório. Decido. 1. Cabimento do habeas corpus:
A Corte compreende que, ordinariamente, o habeas corpus não se presta a rescindir provimento condenatório acobertado pelo manto da coisa julgada, daí a impossibilidade de figurar como sucedâneo de revisão criminal.
Acerca do tema: “O Supremo Tribunal Federal não admite a utilização do habeas corpus em substituição à ação de revisão criminal.” ( HC 128693 AgR, Relator (a): Min. ROBERTO BARROSO, Primeira Turma, julgado em 04/08/2015, grifei) “O habeas corpus não pode ser utilizado como sucedâneo de revisão criminal.” ( HC 123430, Relator (a): Min. LUIZ FUX, Primeira Turma, julgado em 14/10/2014, grifei) “(…) habeas corpus não pode ser utilizado, em regra, como sucedâneo de revisão criminal, a menos que haja manifesta ilegalidade ou abuso no ato praticado pelo tribunal superior.” ( HC 86367, Relator (a): Min. ELLEN GRACIE, Segunda Turma, julgado em 30/09/2008, grifei)
No caso concreto, por contrariar frontalmente a jurisprudência do Supremo Tribunal Federal, o habeas corpus não merece conhecimento, na medida em que funciona como sucedâneo de revisão criminal. 2. Análise da possibilidade de concessão da ordem de ofício no caso concreto: Devido ao caráter excepcional da superação da jurisprudência da Corte, a concessão da ordem de ofício configura providência a ser tomada tão somente em casos absolutamente aberrantes e teratológicos, em que a ilegalidade deve ser cognoscível de plano, sem a necessidade de produção de quaisquer provas ou colheita de informações, o que, no caso concreto, não se verifica.
Com efeito, em que pese a consolidação, na ambiência da Segunda Turma desta Suprema Corte, quanto à retroatividade da Lei Penal 13.964/2019 às ações penais em curso, por tratar-se de norma mais benéfica, de caráter híbrido, o entendimento jurisprudencial não beneficia o ora recorrente, na medida em que como aduziu o parquet, a sua condenação já transitou em julgado. Quanto ao ponto cito a ementa de julgado de minha relatoria que abordou a temática:
“AGRAVO REGIMENTAL EM HABEAS CORPUS. PROCESSO PENAL. ESTELIONATO. INÉPCIA DA DENÚNCIA E AUSÊNCIA DE JUSTIÇA CAUSA PARA A AÇÃO PENAL NÃO CONFIGURADAS. FATOS E PROVAS. LEI 13.964/2019. ART. 171, § 5º, CP. NOVA HIPÓTESE DE EXTINÇÃO DE PUNIBILIDADE. NORMA DE CONTEÚDO MISTO. RETROATIVIDADE DA LEI PENAL MAIS BENÉFICA. ART. 5º, XL, CF. REPRESENTAÇÃO. DISPENSA DE MAIOR FORMALIDADE. FALTA DE CONDIÇÃO DE PROCEDIBILIDADE. RENÚNCIA TÁCITA. AGRAVO REGIMENTAL DESPROVIDO. ORDEM CONCEDIDA DE OFÍCIO. 1. A rejeição da denúncia é providência excepcional, viável somente quando estiverem comprovadas, de plano, a atipicidade da conduta, a extinção da punibilidade ou a evidente ausência de justa causa para ação penal, aspectos não compreendidos no caso sob análise. Precedentes. 2. A expressão “lei penal” contida no art. 5º, inciso XL, da Constituição Federal é de ser interpretada como gênero, de maneira a abranger tanto leis penais em sentido estrito quanto leis penais processuais que disciplinam o exercício da pretensão punitiva do Estado ou que interferem diretamente no status libertatis do indivíduo. 3. O § 5º do art. 171 do Código Penal, acrescido pela Lei 13.964/2019, ao alterar a natureza da ação penal do crime de estelionato de pública incondicionada para pública condicionada à representação como regra, é norma de conteúdo processual-penal ou híbrido, porque, ao mesmo tempo em que cria condição de procedibilidade para ação penal, modifica o exercício do direito de punir do Estado ao introduzir hipótese de extinção de punibilidade, a saber, a decadência (art. 107, inciso IV, do CP). 4. Essa inovação legislativa, ao obstar a aplicação da sanção penal, é norma penal de caráter mais favorável ao réu e, nos termos do art. 5º, inciso XL, da Constituição Federal, deve ser aplicada de forma retroativa a atingir tanto investigações criminais quanto ações penais em curso até o trânsito em julgado. Precedentes do STF. 5. A incidência do art. 5º, inciso XL, da Constituição Federal, como norma constitucional de eficácia plena e aplicabilidade imediata, não está condicionada à atuação do legislador ordinário. 6. A jurisprudência deste Supremo Tribunal Federal é firme no sentido de que a representação da vítima, em crimes de ação penal pública condicionada, dispensa maiores formalidades. Contudo, quando não houver inequívoca manifestação de vontade da vítima no sentido do interesse na persecução criminal, cumpre intimar a pessoa ofendida para oferecer representação, nos moldes do previsto no art. 91 da Lei 9.099/95, aplicado por analogia ao procedimento comum ordinário consoante o art. 3º do Código de Processo Penal. 7. No caso concreto, o paciente e a vítima celebraram termo de quitação no qual consta que o ofendido “dá ampla, geral e irrestrita quitação” ao paciente e que aquele obriga-se a aditar a ocorrência policial para informar esse fato à autoridade policial. Essa circunstância traduz renúncia tácita ao direito de representação por se tratar de ato incompatível com a vontade de exercê-lo. 8. Agravo regimental desprovido. Ordem concedida de ofício para determinar o trancamento da ação penal por falta de condição de procedibilidade.” ( HC 180.421-AgR, de minha relatoria, Segunda Turma, DJe 6.12.2021, grifei)
Destarte, como não se trata de decisão manifestamente contrária à jurisprudência do STF ou de flagrante hipótese de constrangimento ilegal, não é o caso de concessão da ordem de ofício.
Diante do exposto, com fulcro no art. 21, § 1º, do RISTF, nego seguimento ao recurso ordinário em habeas corpus. Publique-se. Intime-se. Brasília, 12 de julho de 2022. Ministro Edson Fachin Relator Documento assinado digitalmente
(STF – RHC: 206540 PR, Relator: EDSON FACHIN, Data de Julgamento: 12/07/2022, Data de Publicação: 13/07/2022)
Fonte: STF
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