Prática penal: o crime impossível na visão dos Tribunais Superiores
Você conhece os entendimentos jurisprudenciais envolvendo o tema crime impossível? Na jurisprudência, há diversos casos de acolhimento da tese de crime impossível, situações que se repetem com muita frequência e você precisa dominar esses posicionamentos dos Tribunais Superiores para alavancar a sua prática penal.
Eu sou a Cris Dupret, advogada criminalista e mentora de centenas de advogados e advogadas que desejam se especializar na Advocacia Criminal e buscam uma preparação teórica e prática adequada para a sua atuação na área penal.
No artigo de hoje, separei alguns pontos importantes, que passarei a tecer comentários. Vamos lá?
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Inicialmente, vale lembrar que, o crime impossível está previsto no art. 17 do Código Penal, o qual prevê que
“não se pune a tentativa quando, por ineficácia absoluta do meio ou por absoluta impropriedade do objeto, é impossível consumar-se o crime”.
O legislador brasileiro decidiu, então, valorizar, nesse momento, a efetiva violação/risco do/ao bem jurídico protegido, em detrimento do elemento subjetivo.
Insta salientar que, a diferença da tentativa para o crime impossível é que, na tentativa é, em tese, possível a consumação, a qual somente não ocorre por circunstâncias alheias à vontade do agente, enquanto que no crime impossível a consumação nunca pode ocorrer, seja em razão da ineficácia absoluta do meio, seja por causa da impropriedade absoluta do objeto.
Portanto, no crime impossível, o agente age com dolo na prática do crime e efetivamente este não se consuma por circunstâncias alheias à sua vontade. Todavia, a tentativa não é punida pelo fato de ser impossível a consumação, logo o bem jurídico não seria colocado em risco suficiente para justificar a intervenção do Direito Penal.
O reconhecimento do crime impossível gera a atipicidade da conduta e, consequentemente, cabível a absolvição sumária pelo fato evidentemente não constituir crime, com fulcro no Art. 397, inciso III, do CPP ou Art. 415, inciso III, do CPP.
Flagrante preparado ou provocado e crime impossível
Preparado é o flagrante que ocorre quando o agente é instigado a praticar o delito, caracterizando verdadeiro crime impossível, visto a inexistência de vontade livre e consciente, mas sim, uma conduta totalmente manipulada.
Trata-se da Súmula 145, do Supremo Tribunal Federal:
“não há crime quando a preparação do flagrante pela polícia torna impossível a sua consumação”.
Estamos diante do chamado delito de ensaio, delito de experiência ou delito putativo por obra do agente provocador. Ocorre quando alguém, podendo ou não se tratar de policial, de forma absolutamente insidiosa, provoca o agente à prática de um crime, para, durante os atos de execução supostamente puníveis, efetuar sua prisão, evitando, assim, que esse se consume. Nesta espécie de flagrante não há crime e a prisão será ilegal.
Nesse sentido, adotou o STF para a conhecida hipótese a teoria do crime impossível descrita no art. 17 do Código Penal.
No flagrante preparado, o policial ou terceiro induz o agente a praticar o delito e, ao mesmo tempo, toma providências para evitar a consumação.
Assim, no flagrante preparado, o autor do fato age motivado por obra do provocador, sem o qual não haveria a prática daquela suposta conduta. E se a intenção do agente não é natural, uma vez que induzida pelo provocador, inexiste o crime.
Entretanto, o advogado criminalista deve ter cuidado com os crimes que possuem um tipo misto alternativo, com diversas possibilidades de conduta.
Um claro exemplo disso é o tráfico de drogas (art. 33 da Lei nº 11.343/06). Reparem que, se o sujeito já está na posse das drogas e o agente provocador, polícia ou terceiro, instiga a venda da substância entorpecente para efetuar o flagrante não será possível a prisão em flagrante pela conduta “vender”, pois houve instigação para o cometimento do crime de tráfico de drogas na modalidade de venda.
Porém, como o crime de tráfico de drogas é de ação múltipla, caso o agente tenha cometido outras ações, como manter em depósito a droga ou trazer consigo, será possível a prisão em flagrante por esta conduta, que se configura em delito de caráter permanente, conforme entendimento pacífico dos Tribunais Superiores.
Neste sentido o STJ tem entendimento sedimentado:
“1. No flagrante preparado, a polícia provoca o agente a praticar o delito e, ao mesmo tempo, impede a sua consumação, cuidando-se, assim, de crime impossível, ao passo que no flagrante forjado a conduta do agente é criada pela polícia, tratando-se de fato atípico. 2. No caso dos autos, embora os policiais tenham simulado a compra dos entorpecentes e a transação não ter se concluído em razão da prisão em flagrante dos acusados, o certo é que, antes mesmo do referido fato, o crime de tráfico já havia se consumado em razão de os sentenciados, tanto o corréu quanto o agravante, terem guardado em depósito e trazido consigo as drogas apreendidas, condutas que, a toda evidência não foram instigadas ou induzidas pelos agentes, o que afasta a mácula suscitada na impetração. Precedentes do STJ e do STF.” AgRg no AREsp 1579303 / SP
Sistema de vigilância e crime impossível
Vale pontuar que, uma tese comumente alegada nos crimes contra o patrimônio é a de que, quando há câmeras de vigilância, constituiria crime impossível, pelo fato de não ser possível subtrair os bens sem que o agente fosse visto e impedido de continuar. Assim, argumenta-se que a consumação seria impossível.
Entretanto, a jurisprudência não tem aceitado essa tese por ser contrária ao entendimento jurisprudencial predominante, inclusive objeto da súmula nº 567 do STJ que dispõe:
“Sistema de vigilância realizado por monitoramento eletrônico ou por existência de segurança no interior de estabelecimento comercial, por si só, não torna impossível a configuração do crime de furto.”
Assim, a jurisprudência é no sentido de que, isoladamente, o monitoramento do estabelecimento, eletrônico ou por segurança, não torna a conduta do agente um crime impossível.
O tema também já foi analisado pelo STJ, ocasião em que a Terceira Seção firmou tese definindo que a existência de sistema de segurança ou de vigilância eletrônica não torna impossível, por si só, o crime de furto cometido no interior de estabelecimento comercial, seguindo o entendimento sumulado (Tema 924).
Neste caso, cabe ao advogado criminalista realizar uma análise detalhada das peculiaridades do caso, pois já tivemos acolhimento da tese de crime impossível em situações que envolviam sistema de vigilância nos tribunais de algumas regiões. Vejamos um exemplo:
APELAÇÃO CRIMINAL. FURTO. TENTATIVA. PREQUESTIONAMENTO. CRIME IMPOSSÍVEL. ABSOLVIÇÃO. (…) 2 – O monitoramento e acompanhamento constante de segurança do estabelecimento que impede, desde o princípio, o êxito do intento, torna o crime impossível. Apelação provida. (TJ-GO – APR: 01521718020178090175, Relator: DES. IVO FAVARO, Data de Julgamento: 25/04/2019, 1A CAMARA CRIMINAL, Data de Publicação: DJ 2746 de 15/05/2019)
Apreensão de quantidade ínfima de munição desacompanhada de armamento e crime impossível
Este é o entendimento pacificado dos Tribunais Superiores sobre a tese de crime impossível nos casos de apreensão de quantidade ínfima de munição desacompanhada de armamento:
“1. A apreensão de ínfima quantidade de munição, aliada à ausência de artefato apto ao disparo, implica o reconhecimento, no caso concreto, da incapacidade de se gerar perigo à incolumidade pública. 2. Ambas as Turmas que compõem a Terceira Seção desta Corte Superior, em recentes julgados, orientaram-se no sentido da atipicidade da conduta perpetrada, diante da ausência de afetação do referido bem jurídico, tratando-se de crime impossível pela ineficácia absoluta do meio. (REsp n. 1.699.710/MS, Ministra Maria Thereza de Assis Moura, Sexta Turma, DJe 13/11/2017; e HC n. 438.148/MS, Ministro Ribeiro Dantas, Quinta Turma, DJe 30/5/2018). 3. A Segunda Turma do Supremo Tribunal Federal posicionou-se no sentido de desconsiderar a potencialidade lesiva, na hipótese em que pouca munição é apreendida desacompanhada de arma de fogo” (STJ: RHC n. 143.449/MS, Ministro Ricardo Lewandowski, Segunda Turma, DJe 9/10/2017).” AgRg no REsp 1840168 / MG
Neste sentido, vale destacar a tese firmada pelo STJ e publicada no Jurisprudência em teses edição nº 108: 3) Demonstrada por laudo pericial a inaptidão da arma de fogo para o disparo, é atípica a conduta de portar ou de possuir arma de fogo, diante da ausência de afetação do bem jurídico incolumidade pública, tratando-se de crime impossível pela ineficácia absoluta do meio.
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Bom, esse foi um conteúdo introdutório sobre a visão dos tribunais superiores com relação ao crime impossível, claro que sem esgotar o assunto. Se tiver interesse em se aprofundar em cada uma das teses defensivas possível na prática da advocacia criminal, conheça nosso Curso Completo de Direito Penal.
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